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Sem Ar

by Thelmo Cristovam

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Um instrumento pode ser um território a ser explorado. Como território, não basta apenas testar aqui e ali e passear pelas ruelas, visitar os pontos turísticos, admirar a paisagem e especular sobre seus habitantes. Tampouco é o caso de integrar-se, aprender uma profissão, vivendo o bairro, virando instrumentista. O interesse de Thelmo parece ser outro. Eu diria que ele está em explorar um território ressaltando sua aridez, o que há de potencialmente áspero nele.

É uma impressão antiga. A primeira vez que a tive, quando eu começava a descobrir a música experimental via myspace e soundcloud, entre 2007 e 2008, foi uma espécie de choque. Daquelas coisas que abrem o mundo. Tanto que, a partir de então, eu e Mário Del Nunzio, que estávamos fundando o Ibrasotope na época, colocamos como um dos objetivos trazer "aquele pessoal radical de Pernambuco" para tocar em São Paulo. O que aconteceu pela primeira vez em 2010, no II Festival Ibrasotope de Música Experimental, quando o Hrönir, nas pessoas do Thelmo e do Túlio Falcão, tocaram Hoch, no CCJ, depois de uma apresentação com música e fumaça do L. C. Csëko.

Tendo identificado e nomeado algo, o que seria propriamente essa aridez? O que eu conseguia extrair da música de Thelmo era uma insistência na economia de meios, insistência essa que se dava em uma espécie de atrito e de resistência para com o instrumento e a música que ia se formando. De modo que não se tratava de almejar estruturação, no sentido de estabelecer partes e relações entre partes, em uma música. Ou seja, não era sobre diferenciar seções onde um efeito ou gesto predominaria, ou uma categoria de abordagem técnica, o que era em geral como eu fazia e julgava que todo mundo fazia. Tampouco era sobre estabelecer um fluxo do presente, onde a música fluiria em momentos que responderiam ao seu próprio excesso, o que na época o duo Rorhrer-Gianfratti fazia, em improvisações informais, contrastando com a abordagem mais formal descrita antes. Existia sim uma mistura curiosa de exploração e espera, que me dava a impressão de deserto e fagulhas, o músico fomentando o acontecimento cru. Creio que esse acontecimento seria a aridez.

Agora, como elaborar e perpetrar essas escavações, contemplações duras, de penhasco, colocações em contenção dinâmica? Com essa pergunta em mente, proponho escutarmos as obras de improvisação em instrumento solo de Thelmo Cristovam. Na improvisação livre, costumo seguir a visão que alguns, aliás, consideram conservadora, de que o músico improvisador realiza uma jornada. Esta jornada seria a do desenvolvimento e afirmação variada do estilo próprio àquele músico. Por esse viés é possível listar modos de tocar, sonoridades, formas de interação e articulação, percorrendo assim a prática de improvisação de um músico ou uma musicista durante anos, procurando o que vai ganhando consistência e se consolidando, assim como o que vai mudando. Às vezes também é possível aventar questões que animam essa busca. Porque as questões que animam a busca se confundem com a busca, em temperamentos mais aguerridos.

Ouçamos Trombone (seminalrecords.bandcamp.com/álbum/trombone), de 2007, que tive o prazer de preparar o relançamento, em 2014, com uma arte de álbum renovada, por Luiza Alcântara. Nesse caso, acredito que a chave de compreensão proposta satisfaz minhas angústias de crítico de música. Mas já em relação a seu álbum solo tocando trompete, O Enforcado (thelmocristovam.bandcamp.com/album/o-enforcado), de 2008, sinto a necessidade de qualificar e modificar um pouco minha interpretação. Há lá um ambiente rarefeito e de luta contra resistências similar ao de Trombone. Mas a sonoridade é mais variada e o músico se vale da criação de contrastes, de modo que, em um registro menos condensado e menos artificial, esta sonoridade se aproxima de Sem Ar. Diferentemente do novo álbum, entretanto, há por vezes uma pressão do silêncio sobre a música, colocando-a em estado de tensionamento: cada som provocando uma pequena ruptura na fábrica sufocada, imersa em não-respiração. Cada respiração sendo uma pequena batalha para avançar, rompendo um limite. Esse tema do limite é interessante, porque ele vai ser reutilizado em Sem ar, de modo diferente, renovado, sem silêncios. Esse deslocamento é muito interessante. Mas volto ao Enforcado: ali, o que eu imaginei como aridez negocia com uma musicalidade que também trabalha variações e oposições. Na segunda faixa do álbum, Sofrimento excruciante, há um jogo de alternâncias entre um ambiente rarefeito, mais relaxado, e uma parede de ruído intensa e contínua, que articula um lado composicional mais explícito para a improvisação.

O álbum Sem ar foi gravado no estúdio caseiro do próprio artista, o v(g)erme, em Olinda, em outubro de 2020. Aqui, o músico explora um trompete de bolso, menor e mais curvilíneo que o trompete comum, exigindo mais pressão de ar e possuindo uma sonoridade mais seca. Essa nuance se faz presente, mas não de modo tão claro ou direto, dado que a captação foi montada para distorcer enormemente o som acústico do instrumento. De fato, o ambiente de improvisação foi ajustado para que o trompete de bolso seja parte de um instrumentário maior, este compondo-se desse trompete, mais o sistema de captação e reprodução distorcida do que foi captado. Esse sistema todo foi configurado para permitir uma sonoridade crua, brilhante e agressiva, onde as nuances fossem apagadas, dando lugar a um jogo em que um limiar de acionamento fosse estabelecido. Esse limiar, aliás, é similar aqueles parâmetros de threshold de plugins de áudio. Limiar esse que precisará então ser explorado: quando ultrapassado, o sistema se satura de modo a gerar graves de energia elétrica, distorções extremas de sonoridade eletrônica simples e aumento de intensidade. A passagem de um lado a outro desse limiar causa diferenças de componentes espectrais e um salto em intensidade e densidade espectral.

Posso interpretar o álbum assim: é configurado um meio e o instrumento que mediará a interação com esse meio, o trompete de bolso. Essa configuração estabelece a sonoridade com a qual se vai operar, radicalizada na sua crueza, e que traz uma dinâmica de enfrentamento, de resistência, de certos limiares de saturação. Esse instrumentário é então explorado, especialmente de modo a lidar com aspectos da respiração, em uma busca por criar reconfigurações de uma garganta que se expande por todo o sistema. Essa exploração restringe as ações a um repertório limitado, com muito sopro inarmônico e massas densas de ar. Mas ela descobre toda uma gama de aparecimentos, fagulhas harmônicas e gestos bem desenhados. E essas descobertas delineiam as improvisações, tirando-as da aridez, afim de negociar a aridez junto a aspectos mais composicionais. Esses aspectos não deixam de pertencer à ideia de composição instantânea, de acolhimento de possibilidades formais em plena ação, isto é, prática improvisativa. Isso tudo é articulado em momentos condensados. Essa condensação é uma novidade na produção do Thelmo, e possivelmente surge em embate com essas possibilidades gestuais. Sem Ar desloca-se sob o fundo da aridez extrema, sem confundir-se com ela.

Eu poderia pensar e escrever mais coisas sobre o álbum. Mas julgo que cada um pode escutá-lo algumas vezes e decidir se as minhas ideias e impressões de algum modo contribuem com a experiência. Deixo uma diferenciação entre as faixas para as leitoras ouvintes! Abraço e boa escuta!


Texto:
Henrique Iwao, novembro de 2020. Revisado em agosto de 2021.

credits

released August 25, 2021

Thelmo Cristovam, natural de Brasília/DF, 1975, vive e trabalha em Pernambuco. Improvisador e compositor, pesquisador independente em psicoacústica. Respiração/garganta (sax, trompete, trombone, flauta) e ondas eletromagnéticas (satélites/rádio) são o foco atual em suas performances de improvisação livre. Sua pesquisa/poética incluem rádio arte, noise/drone e composições baseadas em gravações de campo. Além da produção estética, tem ministrado oficinas sobre escuta, arte sonora e gravações de campo, temas que são o foco de seus trabalhos, além de composições eletroacústicas e improvisação livre. Também trabalha como designer de som para curtas-metragens e faz pesquisas e engenharia de som para vários projetos independentes.

ouça mais Thelmo Cristovam em:
thelmocristovam.bandcamp.com


Thelmo Cristovam: Trompete de bolso

Gravado e editado nos dias 10 e 11 de outubro de 2020,
no estúdio caseiro v(g)erme, Olinda, Pernambuco.

Foto: Thelmo Cristovam

Texto: Henrique Iwao

Atenção! Gravação Monoaural

Agradecimentos:
Henrique Iwao, Beatriz Arcoverde e Fabiano Pimenta


mdr #011


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